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Simpósio

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Programa

Flash

FLASH 1

 

O primeiro FLASH que compartilhamos faz parte do eixo "Identidade, segregação e paradoxos" e recolhe a proposta de trabalho de Dyhalma N. Avila López, AME do Fórum de Porto Rico.

 

A mistura como identidade paradoxal: entre segregações negadas e singularidades afirmadas

 

A organização que promove Porto Rico como destino turístico, país colonizado pelo homem branco espanhol e norte-americano, inclui em seu site uma oferta identitária: "Da mistura das tradições taína, africana e espanhola, surgiu a porto-riquenha, uma nova identidade composta de traços dos três grupos", "um caldeirão bem misturado". A identidade oferecida contém um paradoxo: encobre a violenta segregação subjacente (os gozos nos laços de exploração que produziram tal mistura) e as segregações persistentes; mas modera a agressividade do outro como Outro, permitindo segregações menos extremas e uma maior fraternidade.

 

Proponho pensar esse paradoxo a partir de três referentes: Freud, o outro como objeto das pulsões agressivas que a cultura deve limitar para possibilitar a convivência; Lacan, só o Outro localiza o extravio de nosso gozo, mas separados dele - "Daí algumas fantasias, inéditas, quando não nos misturávamos"-; e Colette Soler, o pitoresco como “tratamento positivo da diferença segregativa”.

 

FLASH 2

 

Este segundo FLASH que compartilhamos faz parte do eixo “Segregação e laço social” e recolhe duas propostas de trabalho. A primeira proposta é de Maria Helena Martinho, do Fórum do Campo Lacaniano do Rio de Janeiro - EPFCL-Brasil, e a segunda proposta é de Carlos Gómez Camarena, do Fórum do Campo Lacaniano do México.

 

Os efeitos da segregação no discurso de nossa época - Maria Helena Martinho

 

Este texto promove uma reflexão sobre os efeitos da segregação no discurso de nossa época. Observa que os sujeitos seguem “apalavrados” com o discurso do capitalista que abole as diferenças e promove a globalização da economia, reduzindo a diversidade das religiões, das línguas, dos costumes, dos povos; verifica que a segregação é uma violência com as diferenças, ela reduz o indivíduo a uma mesma massa uniforme, o isola, cria muralhas para velar as diferenças; salienta que no Brasil, durante os quatro últimos anos, a segregação – dos pobres das favelas, dos moradores de rua, das mulheres, dos negros, dos LGBTQIA+ e dos povos originários – se exacerbou nos projetos políticos antidemocráticos de extrema direita, nos discursos de ódio e de violência. Hoje o mundo testemunha o genocídio do povo Yanomami – desnutrição, malária e contaminação por mercúrio – verdadeiro retorno da segregação na sua forma mais bárbara que a humanidade produziu de pior ao longo da nossa história, os campos de concentração.

 

O que Lacan disse sobre a segregação: sua importância atual - Carlos Gómez Camarena

 

Este trabalho fará um resumo muito breve do termo “Segregação” em toda a obra de Lacan (escrita e oral), para destacar pontos problemáticos como a segregação enquanto algo estrutural da subjetividade, a psicologia das massas, a relação entre ciência e segregação (um tema herdado desde Heidegger e a Escola de Frankfurt) e um ponto pouco explorado como a diferença entre segregação e “campo de concentração” em Lacan. Em um segundo momento, apresentarei algumas soluções inventadas por Lacan, como a identificação “lateral” e de que modo isso leva à invenção da Escola (como base de operações ante o mal-estar). Finalmente, levarei esse panorama e essa problematização a questões atuais importantes no social e na clínica, especialmente nas chamadas “políticas da identidade” assim como a (não) relação entre neoliberalismo e extrema direita. Meu argumento central nessa última parte é que cada vez mais recebemos mais analisantes em meio a essas coordenadas sócio-políticas. A pergunta crucial seria a seguinte: como extrair a parte analítica dessas questões à luz de como Lacan abordou a segregação ao longo de sua obra? O objetivo do trabalho é mostrar brevemente o panorama do termo “segregação” ao longo da obra de Lacan e assinalar alguns pontos problemáticos e pensar sua pertinência para questões sociais e clínicas hoje em dia.

 

FLASH 3

 

Este terceiro FLASH que compartilhamos faz parte do eixo “Segregação e laço social” e recolhe duas propostas de trabalho: A primeira proposta é de Beatriz Maya Restrepo, AME do Fórum do Campo Lacaniano de Medellín e de Pereira, e a segunda proposta é de Sonia Alberti, AME do Fórum do Campo Lacaniano do Rio de Janeiro – EPFCL – Brasil.

 

“Esparsos díspares” e a fraternidade discreta - Beatriz Maya Restrepo

 

No Prefácio, Lacan disse: “porque nesta ocasião não existe todos, porém esparsos dispares”. Refere-se ao que se produz pela hystorização da análise. Esparsos alude ao produto de singularidades reconhecidas a partir da experiencia. Singularidade de um gozo irredutível, impossibilidade do final que introduz a pergunta pelo vínculo do laço ao outro, lá onde cada um defende sua parcela. “Fraternidade discreta” é a expressão que Lacan utiliza para referir-se ao que a psicanálise poderia propor àqueles que vêm com os laços rompidos. Há uma espécie de paradoxo, pois pareceria que a análise produz um certo saldo cínico que poderia impedir o laço. Proponho-me a tentar resolver esta pergunta: como pensar uma ética que concilie o singular do gozo e o coletivo do laço?

 

Alguns fundamentos teóricos para uma clínica da singularidade.- Sonia Alberti

 

Argumento: Iniciarei com uma rápida retomada da distinção lógica feita por Hegel entre universal, particular e singular diante das fórmulas da sexuação de Lacan, para então avançar articulando o particular, o singular e o não-todo com o sintoma. O objetivo é tentar estabelecer as diferenças entre ambas as conceituações e tentar compreender que contribuições a segunda acrescenta para a clínica atual. Pergunto: com a segunda perde-se a universal de Hegel? que seria o “para todo x” de Lacan? Se o não-todo é contemporâneo às fórmulas, seria ele o particular que ressurge depois nos nós de nova forma, mas ainda aí como não-todo R, S, I em decorrência do fato de que um fura o outro? Como articulá-lo com o sintoma? Questões de fundamentos pois, com os nós já estamos tentando nos utilizar de novos parâmetros. Estaríamos, com isso, tentando responder à proposta de Lacan, quando, na Ouverture de la Section Clinique estabelece que a clínica psicanalítica consiste em reinterrogar Freud sobre tudo o que disse?

 

FLASH 4

 

Esse quarto FLASH que compartilhamos faz parte do eixo “Segregação e laço social” e recolhe 3 propostas de trabalho. A primeira proposta é de Sheila Abramovitch, do EPFCL-Brasil, FCL Rio de Janeiro, a segunda proposta é de Katarina Aragão, do EPFCL-Brasil, FCL Aracajú, e a terceira proposta é de Gabriela Zorzutti, AME do Fórum do Campo Lacaniano do Colorado.


A sub-versão da Ciência - Sheila Abranovich

 

Chamar atenção para o uso da ciência para fins de segregação. Destacar como a ciência foi substituída por teorias da conspiração pseudocientíficas, como a Terra plana, ou do Criacionismo, durante o governo brasileiro fascista de Bolsonaro. Trazer exemplos da manipulação de dados científicos, o que culminou na negação da vacina de COVID, com a imposição de falsos tratamentos médicos. Foram quase 700 mil mortes. Estudos apontam que 75% poderiam ser evitadas (Butantã, 2022). A psicanálise, por sua vez, aliada da ciência, não poderia ficar indiferente às ideologias segregacionistas que levam ao Pior, e vem denunciar todas as formas de autoritarismos, que desconsideram a singularidade do sujeito e impedem a circulação dos laços sociais na pólis (Quinet, 2021). A partir do sujeito cartesiano racional inaugurado por Descartes, chega-se ao sujeito do inconsciente, que Lacan (1966) o aproxima ao sujeito da ciência, e Freud (1915) o articulou à psicanálise: Eis o sujeito do pensamento inconsciente.

 

Segregação na formação analista, uma posição?- Katarina Aragão

 

Pretendo trabalhar a questão da formação do psicanalista discutindo a alienação estrutural e política enquanto posição clínica, partindo da premissa que só é possível oferecer um lugar de escuta singular, se o analista busca uma formação plural, ética e política, para trabalhar em sua clínica a diversidade. Articularei através de um recorte de caso clínico que o verdadeiro lugar de fala é no divã, o único lugar que não deveria admitir segregações. E questiono, é possível um divã ético sem uma formação plural?

 

Alienación<>Separación, hoy una praxis políticamente herética - Gabriela Zorzutti

 

Objetivo: Destacar a importância ética da operação de alienação na análise. É comum encontrar, especialmente nos EUA, a separação sendo confundida com uma atitude que o clínico mantém em relação a uma pseudo-separação do indivíduo no mantra do self-made-man, que então torna qualquer relação de objeto "transacional". Essa visão alienante da alienação tem tido efeitos devastadores. A alienação também implica o vínculo vital inesquecível do falante.

 

Lacan postula o surgimento do sujeito por meio das duas operações de alienação e separação. O sujeito deve primeiro se alienar aos significantes do Outro, deve se ver representado de forma fracassada pelos significantes desse lugar, o Outro, e depois se separar deles, ou seja, encontrar seu lugar. Essa escolha inaugural forçada implica, então, que o sujeito se identifique com esses significantes. Em nossa clínica, somos testemunhas de um trabalho de desprendimento libidinal, para usar um termo freudiano, dessas identificações durante a cura. Um momento em que a tarefa é conhecer a dissidência, o conflito em que o sujeito reaparece com esses significantes alienantes.

 

Analisar é encontrar no discurso do analisando as compas dessas marcas operatórias. Marcas que são bastante dançantes e, portanto, se prestam à oscilação da transferência em suas fases de motor e resistência. Em cada uma dessas dobras lógicas da análise, há uma chance de rever o que não é forçado na origem: a interpretação dada àquela primeira escolha inaugural. Ler nessa margem uma chance de liberdade é uma lufada de ar. Isso requer um trabalho de separação libidinal do velho e cruel truque de tentar responder à questão da identidade do sujeito por meio da identificação. Chegar a outra posição, mas em exercício, não outra posição como estática, mas chegar à posição que permite o exercício da escolha, separada. No mundo de hoje, sustentar um espaço onde a tarefa de revisar essas "résons" de uma posição assumida é uma heresia, porque isso tem o efeito de vincular, de devolver o desejo ao Outro, ao elo social em um mundo onde somos todos proletários

 

FLASH 5

 

Este quinto FLASH que compartilhamos insere-se no eixo 2 "IDENTIDADE, SEGREGAÇÃO E PARADOXOS" e inclui três propostas de trabalho:

 

A primeira proposta é de Clara Mesa, AME do Fórum do Campo Lacaniano de Medellín e Bogotá, membro do LIPP; a segunda proposta é de Stella Casanova, membro do Fórum do Campo Lacaniano do Panamá, membro do LIPP e a terceira proposta é de Eduardo Valsega, membro do Fórum Psicanalítico de Porto Rico.

 

O projeto inacabado da relação passe <> sociedade - Clara Cecília Mesa

 

O problema crucial que temos depois de Lacan é o de articular essa topologia do oito interior, que ele anunciou ao final da proposição do passe de 1967: "... a topologia do plano projetivo está no próprio horizonte da psicanálise em extensão onde se enoda o círculo interior que desenhamos como hiância da psicanálise em intensão.”

 

Intensão e extensão enodados e dependentes um do outro, à moda moebiana. O interessante é que Lacan o anuncia justamente no ponto em que vai descrever o funcionamento do passe. Ele faz uma pausa em sua formulação e nos remete a três pontos de fuga: um simbólico: o Édipo; um imaginário: as hierarquias na sociedade psicanalítica, dirigidas por um executivo de escala internacional; e a terceira facticidade, real, real demais, suficientemente real: a segregação.

 

Para retornar ao final dizendo: "O final deste documento especifica o caminho pelo qual aquilo que apenas tende, abrindo uma experiência, a tornar finalmente verdadeiras as garantias buscadas", as garantias que anunciou no início são as que a Escola dá como A.M.E e aquela que um sujeito pode demandar, AE.

 

Agora, este ponto é particularmente importante porque, na atualidade, Colette Soler, em sua Conferência na Polônia, mas também na apresentação do último Encontro da Escola em Buenos Aires, retoma este problema para nos lembrar de que, da incidência política do passe, esperava-se que modificasse essas três factualidades: no sentido do além do Édipo, da minimização do imaginário, das hierarquias e de uma moderação da lógica segregativa. Este programa está completo? Quem se atreveria a dizê-lo? “Passe ou não, as mesmas factualidades são usadas e pioram bastante. Isso não justificaria uma nova análise política que se ajuste a esse fato para esclarecê-lo, eventualmente para delineá-lo?” (Colette Soler, Conferência na Polônia, 2020).

 

A política da psicanálise e a segregação como política - Stella Casanova

 

Objetivo do trabalho: Lacan, na Proposição de 9 de outubro de 1967, vincula os efeitos da ciência ao campo de concentração nazista como antecedente do "reordenamento dos grupos sociais pela ciência e, principalmente, da universalização que ela introduz neles", e prediz que "nosso porvir de mercados comuns encontrará seu contrapeso na expansão cada vez mais dura dos processos de segregação".

 

Para Lacan, a segregação está ligada ao domínio que o modelo Capitalista depositou no saber da ciência, saber que se fundamenta na lógica da universalização e da quantificação, cujo correlato é a exclusão da singularidade por meio da homogeneização, com a que se busca um ordenamento das formas de gozar: mesmas práticas, mesmos ideais; no qual o significante matemático é aquele que vem decifrar o acontecer do sujeito.

 

Este saber científico que universaliza tem uma resposta para tudo e para todos, como menciona Lacan em Televisão quando assinala que "a cura é uma demanda que parte da voz do sofredor, de alguém que sofre de seu corpo ou seu pensamento: O surpreendente é que haja respostas, e que, em todas as épocas, a medicina tenha acertado o alvo” , e vai de encontro à psicanálise, na medida em que esta concebe o humano como um fato de palavras; opera com a palavra daquele que sofre, situando a verdade mais íntima de cada sujeito, enquanto a ciência omite o sujeito implicado na trama do que diz, privilegiando uma suposta objetividade.

 

A proposta deste trabalho é abrir um espaço que convoque ao debate e à reflexão sobre a Identidade Política Segregacionista da ciência, em oposição à Identidade Política da Psicanálise, sustentada na relação colocada por Lacan na Proposição de 9 de outubro de 1967, entre a psicanálise em intensão e a psicanálise em extensão, como campos que possibilitam a presença da psicanálise e sua ética nos momentos atuais, nos quais a pressão da ciência a cada dia estreita as margens do singular, ignorando todo discurso que o revele, como é o caso da psicanálise.

 

Segregação e discurso?: O supereu capitalista e a Escola de Psicanálise - Eduardo Valsega

 

Será trabalhada a ideia de que “todo discurso implica um modo de segregação”. Serão abordados os casos da segregação gerada pelo discurso capitalista e aquela produzida pelo discurso analítico. Ambos serão comparados especialmente na medida em que são dois discursos com elementos em comum. No entanto, as diferenças serão enfatizadas, especialmente a dimensão superegóica do discurso capitalista com sua rejeição à singularidade e seu impulso ao consumo de supostos mais-de-gozar. Será proposto que, embora esse discurso gere segregação, é um discurso desintegrador, pois busca desfazer qualquer conjunto possível. Por outro lado, será argumentado que, embora o discurso analítico também leve ao limite as relações do sujeito com o significante e com o objeto a, ele o faz revelando e apontando para a singularidade do ser falante. Isto culmina em uma separação e uma solidão que, paradoxalmente, é o elemento comum que permite a existência da Escola de Psicanálise. Será proposto que esse espaço de encontro criado entre "esparsos díspares" (analistas), embora possa ser pensado como uma segregação voluntária, mostra-se como a tentativa, não de expulsão ou privilégio, mas de criação de um novo conjunto, no qual a singularidade é o elemento principal.

 

FLASH 6

 

Este sexto FLASH que compartilhamos inclui quatro propostas de trabalho:

 

A primeira proposta é de Beatriz Oliveira, AME do Fórum do São Paolo - EPFCL-Brasil; a segunda proposta é de Ricardo Rojas, AME do Fórum do Campo Lacaniano de Medellín e Pereira, membro do CIG; a terceira proposta é de Maria Claudia Formigoni, do Fórum do São Paolo-EPFCL-Brasil ; a quarta proposta é de do Barbara Shuman, do Fórum do Campo Lacaniano de Colorado

 

Uns discretos fazem um coletivo - Beatriz Oliveira

 

Este trabalho parte da lógica do coletivo tal como Lacan desenvolve em seu texto “O tempo lógico e a assunção da certeza antecipada” e procura discutir tal proposta articulada ao estabelecimento de uma universal que se funda sobre uma exceção. Assim, a identificação ao “coletivo”, neste momento, está mais próxima à particular afirmativa para cada sujeito a respeito de sua própria existência: fraternos como falantes e castrados. No entanto, essa lógica é a mesma que precisa da segregação para se estabelecer.

 

Com os avanços teóricos de Lacan em relação ao campo do gozo, a partir dos anos 70, este trabalho pergunta se algo mudaria neste laço coletivo, ou se daria para pensar uma outra lógica coletiva que não se estabelecesse por um conjunto que se fundaria por sua exceção, mas a partir de um enodamento paradoxal, tal como propõe Milner. Assim, me parece que um laço possível a ser feito a partir da psicanálise é o que não recua diante do impossível, o Real, e faz dele causa de seu próprio enodamento. Desse modo, entendo que, a partir do final de uma análise, a inclusão de alguns outros se dá um a um, com os quais o laço possível é da ordem do acontecimento, da contingência. Nesse sentido, o modo singular de gozo de cada falasser poderia fazer diferença nesse modo de laço, introduzindo esse traço “discreto” na fraternidade?

 

Diagnóstico da singularidade e a língua privada das vinhetas clínicas - Ricardo Rojas

 

Diagnóstico da singularidade implicaria em analisar como a singularidade tem sido entendida desde o ponto de vista do ensino de Jacques Lacan e como isso se aplica quando escutamos dizer “a especificidade da clínica psicanalítica é ser uma clínica que aponta para o singular”. Colocamos em questão também se o  fato mesmo de diagnosticar dá lugar à singularidade, uma vez que as origens tanto do diagnóstico quanto da psicanálise se deram no modelo cientificista-universal da medicina. Igualmente nos interrogamos se é possível – tendo em conta os desenvolvimentos freudianos e lacanianos da teoria e da praxis psicanalítica – manter sem contradições uma clínica na qual o diagnóstico ocuparia um lugar central. Isto nos leva a pensar a relação entre os conceitos e a praxis, tal como fez Lacan no Seminário 11: “Este conceito está determinado pela função que possui em uma praxis. Este conceito rege a a maneira de tratar os pacientes. Inversamente, a maneira de tratá-los rege o conceito.”

 

A última parte do título ressalta que “ acredita-se que a partir dos relatos dos ditos analisantes e do analista, consegue-se objetivar sem mais o que se passa nos tratamentos, que mostram aquilo que é; dessa forma lalíngua é privada das vinhetas clínicas que acreditam que a clínica é uma clínica dos ditos objetivantes, quando, ao contrário, é o dizer que não se presta ao relato o que conduz ao real, ao mais singular. Traduzido por: Luis Guilherme Coelho

 

Por que eu não posso ser assim? - Maria Claudia Formigoni

 

Em uma época na qual o apagamento das diferenças predomina e a segregação surge como efeito, as particularidades de gozo são tidas como desvios a serem eliminados. Não à toa, na era da infância generalizada, vemos diversas formas de violência contra a criança. Trago dois exemplos.

 

A mãe de um menino tirou-o da análise para submetê-lo a tratamentos invasivos a fim de corrigir seu andar e falar. Queria deixá-lo mais parecido com os outros meninos, apagar suas diferenças. Na última sessão, ele questiona: Por que eu não posso ser assim?

 

Recentemente, veio à tona no Brasil o programa de extermínio aos Yanomami. As maiores vítimas foram as crianças. Por quê? Porque “a criança aparece como sintoma que fura a ordem do mestre, na medida em que aponta para o seu 'fora de lugar' paradoxal”. Justamente, fazer valer sua posição de sujeito potencializa a violência contra ela.

 

O que pode um analista frente a esse apagamento que afeta também as infâncias?

 

Não pode sobrepor a ideia de criança à de sujeito. Por isso, não pode se guiar pelos ideais dominantes – criança como objeto da educação, do progresso e do desenvolvimento –, sob o risco de fazer da clínica com crianças uma ortopedia e de negar a relação que uma criança tem com o saber, deixando de considerá-la um analisante por inteiro.

 

Sustentar a psicanálise com crianças é sustentar que há ali um sujeito. Aposta política diante da segregação. Aposta na possibilidade de que cada um possa sustentar a alegria de estar à margem.

 

Formação do analista: A singularidade de um acto
Clínica de segregação e singularidade : O Singular e o não-todo -Barbara Shuman

 

Falar da formação do analista no contexto deste simpósio, intitulado "Segregação e singularidade", é falar de uma trajetória histórica da psicanálise. Trajetória histórica no sentido de como a formação do analista se dá na práxis, mas também em termos de quando uma formação começa e quando termina. No início, havia padrões de formações: um professor e um aluno, com base em uma posição hierárquica de um Outro que ensina. "O analista se autoriza" veio com Lacan mais tarde e, com essa afirmação, a ideia de que, tanto em sua prática quanto em sua formação, o analista se mostra por meio de um ato que não implica uma ordem hierárquica, como faria uma formação tradicional. O que emerge do treinamento do analista é o testemunho de um ato analítico, afastado de qualquer julgamento subjetivo, seja do analista que controla ou da autocrítica do analista que dirige a cura. A segregação é vista, portanto, como a separação entre a subjetividade do analista controlador e a peculiaridade de um ato único que não pode ser repetido. Na formação do analista, principalmente no dispositivo de controle, é a subjetividade do analista que é segregada, no sentido de que a subjetividade é posta de lado para determinar se um ato ocorreu: "O analista se autoriza", porque, precisamente, ele não é mais um sujeito sob a autoridade de um Um.

 

O analista se autoriza, em sua formação, a saber algo que está fora do campo do saber e que provém, antes, do conhecimento de uma função operatória que se afasta do discurso de um mestre para dar uma formação que não é, como diz Lacan, do próprio analista, mas do inconsciente. Se for assim, a formação do analista pode ser vista como um processo peculiar, que não existe em nenhum outro lugar. Nesse sentido, a formação do analista tem a intenção de postular uma posição analítica que liga o desejo do analista auto-autorizado a um conhecimento inconsciente. 

 

Do dispositivo de controle surge uma contradição: por um lado, não podemos falar da formação do analista sem falar de um outro que escuta. O acompanhamento que o analista encontra com o analista controlador é uma extensão da cura que ele dirige, pois implica colocar o analista controlador "no banco". O analista em formação se autoriza através do manejo da transferência, da demanda e do desejo, onde está em jogo a transmissibilidade da auto-autorização. Por outro lado, o que permanece intransmissível de uma demanda requer uma demanda ética e uma responsabilidade de permanecer no controle mesmo além do momento da auto-autorização. Nesse caso, como diz Lacan, "o controle se impõe".  Com o controle, o analista se engaja em um ato de querer saber algo sobre sua posição como analista, o que o remete a uma verdade igualmente peculiar. Um saber do inconsciente que não é o do mestre, como em certas outras instituições, mas um saber que é o de um Outro que não sabe tudo e que, no entanto, recoloca em seu lugar um desejo que foi deslocado. O controle em si não é tudo, mas orienta para uma ética na qual o analista opera com base em seu próprio desejo, um desejo que emerge de seu próprio tratamento e que não cede.

Argumento

Quais são os desafios para a psicanálise nas Américas no século XXI? Para debater essa questão, propomos partir do binômio segregação e singularidade no V Simpósio Interamericano da IFCL et de sua escola, que será realizado em San Juan de Puerto Rico de 23 a 25 de junho de 2023.  Nossa sociedade atual vive a exacerbação dos efeitos do discurso capitalista que provoca cada vez mais a segregação de classes sociais. O discurso do capitalista, tornando a ciência sua refém produz miséria e lixo, o gozo do consumo e inadimplência assim como a destruição do meio ambiente tornando o mundo irrespirável. Estará a psicanálise à altura de ser o “pulmão do mundo”, como apontou Lacan?

Em paralelo ao “todos operários”, a ideologia hegemônica neoliberal com o imperativo “seja o empresário de si mesmo e dane-se o resto” promove um empuxo ao individualismo e à rejeição de projetos coletivos et do bem comun. Em meio a isso, se vê a expansão dos movimentos religiosos comandados pelo Capital e o surgimento de norte a sul nas Américas de líderes com ideias claramente fascistas levando enormes massas a expressarem e a propagarem sem pudor o racismo, a homofobia, a misoginia, o capacitismo, a aporofobia e até mesmo o supremacismo de “raças”.  O resultado disso é uma sociedade cada vez mais segregadora e violenta que em alguns lugares se expressou como terrorismo de Estado. Por outro lado, os chamados “movimentos identitários” tomaram força como resposta a esse mal-estar contemporâneo. Seriam eles conjuntos de singularidades para fazer face à massificação do predomínio da “ideologia pequeno-burguesa” (cf. Lacan na Proposição) dominante ou estariam dando ainda mais consistência a particulares acentuando a segregação?  Daí a importância de nos debruçarmos sobre as diferenças a partir da psicanálise entre o singular, o individual, o particular, o universal, o não-todo assim como a fraternidade e a solidariedade. E também segregação, exclusão e discriminação. Efetivamente, em 1967, Lacan já havia apontado a explosão das práticas segregativas. Assim, na Proposição de Outubro, ele anuncia que “os progressos da civilização universal vão se traduzir não só por um certo mal-estar, como já havia percebido o senhor Freud, mas também por uma prática que, verão, se tornará cada vez mais ampla, que não deixará ver imediatamente seu verdadeiro rosto, mas que tem um nome que, ainda que se o transforme ou não, sempre dirá o mesmo e vai acontecer: a segregação”.

A psicanálise, como sintoma dessa situação, em sua prática da singularidade associada aos laços sociais está à altura para responder às demandas da civilização? A recente pandemia que tomou o mundo contou com uma resposta decidida da parte dos psicanalistas que se engajaram na manutenção dos tratamentos psicanalíticos promovendo inclusive um grande aumento da demanda de análise. A psicanálise não só sobreviveu mas se provou eficiente usando da tecnologia online trazendo novos ares ao sufoco generalizado a muitos que dela se beneficiaram.    

Na articulação moebiana da clínica com a pólis própria à psicanálise, cabe aos psicanalistas nas Américas esse estudo do binômio segregação e singularidade para se debruçarem sobre os temas naturalizados da ideologia dominante como por exemplo a questão colonialista e racista que desconsidera o gozo o Outro tratando-o como subdesenvolvido, o patriarcado que desconsidera o lado não-todo fálico da partilha dos sexos, a psicologia das massas e a formação de identidades em contraposição a um trabalho coletivo formado por singularidades, a transmissão geracional do Inconsciente como discurso do Outro perpetuador de preconceitos e os efeitos clínicos na experiência dos analisantes e na prática dos psicanalistas. A pauta é grande e nossa tarefa como psicanalistas nos exige estarmos atualizados com as urgências de nossa época para melhor respondemos ao sofrimento do sujeito na contemporaneidade.

 

 

Comissões:

 

Epistêmico

María de los Angeles Gómez (ALN)

Dyhalma Ávila (ALN)

Sandra Berta (BR)

Mario Brito (ALN)

Gabriel Lombardi (ALS)

Beatriz Maya (ALN)

Mónica Palacio (ALN)

Ana Laura Prates (BR)

Antonio Quinet (BR)

Ricardo Rojas (ALN)

Maileen Souchet (ALN)

Barbara Shuman (ALS)

Gabriela Zorzutti (ALS)

 

Organização

Dyhalma Ávila

Rebeca Díaz

Caroline Forastieri

María V. García

María de los Angeles Gómez

Franklin Laracuente 

Juan Ortiz

Dennisse Pérez

Maileen Souchet

Eduardo Valsega

Hildamar Vilá

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